quinta-feira, 11 de agosto de 2011

E BRINCADEIRA

Marco Antônio Villa - Historiador e Professor da Universidade de São
Carlos. Colunista do Estado de SP e Globo.
Dilma Rousseff é caso único na História do Brasil. Já iniciou, em
apenas sete meses, três vezes o seu governo. Em janeiro assumiu a
Presidência. Parecia que a sua gestão iria começar. Ledo engano. Veio
a crise em maio - caso Palocci - e ela rearranjou o núcleo duro do
poder. Seus entusiastas saudaram a mudança e espalharam aos quatro
ventos que, naquele momento, iria efetivamente dar início ao seu
governo. Mera ilusão. Veio nova crise em junho, esta no Ministério dos
Transportes. Seguiram-se demissões de altos funcionários - ontem já
chegaram a 27. Em seguida, foi anunciado que agora - agora mesmo - é
que iria começar a sua Presidência. Será?
No país das Polianas, sempre encontramos justificativas para o
injustificável. Os defensores, meio que envergonhados da presidente,
argumentam que ela recebeu uma herança maldita. Mas não foi essa
"herança" que a elegeu presidente? Não permaneceu cinco anos na Casa
Civil participando e organizando essa "herança"? Herança, como é
sabido, é algo recebido de outrem. Não é o caso. A então ministra da
Casa Civil foi uma participante ativa na organização da base
partidária que sustenta o governo no Congresso Nacional. Tinha e tem
absoluta ciência do que representam essas alianças para o erário.
Fingir indignação, falar em limpeza - quando o vocabulário doméstico
invade a política, é sinal de pobreza ideológica -, dizer que agora,
sempre agora, só vai aceitar indicações que tenham a ficha limpa, isso
é um engodo. Quer dizer que no momento em que formou o Ministério a
ficha limpa era irrelevante? Ficha limpa é para coagir aliados? E que
aliados são esses que são constrangidos pelo currículo?
Os sucessivos reinícios de governo são demonstrações de falta de rumo
e de liderança. O PAC não é um plano de governo. É uma junção
aleatória de obras realizadas principalmente pelo governo e por
empresas estatais. É um todo sem unidade alguma. Não há uma concepção
de projeto nacional, nada disso. Além da falta de organicidade, os
cronogramas de todas as obras estão atrasados. O governo não consegue
realizar, de forma eficaz, nenhum empreendimento. Quando algo chama a
atenção, não é por seu efeito para o desenvolvimento do País. Muito ao
contrário. É por gasto excessivo, desvio de recursos, inutilidade da
obra ou atraso no prazo de entrega. E, algumas vezes, é uma cruel
somatória desses quatro fatores.
O País está sem rumo. Mantém indicadores razoáveis no campo econômico,
contudo muito abaixo das nossas potencialidades. Basta lembrar que
neste ano a taxa de crescimento será a mais baixa entre os países da
América do Sul (não estamos falando de China, Índia ou Coreia do Sul,
mas de Paraguai, Equador e Peru). A economia ainda é movida pelo que
foi estruturado durante os primeiros anos do Plano Real e por medidas
adotadas em 2009, ante a crise internacional.
A falta de liderança é evidente. Os últimos quatro meses foram de
abalos permanentes. E nos primeiros cem dias a presidente teve uma
trégua. Foi elogiada até pelo que não fez. Politicamente, o ano
começou em abril e, de lá para cá, o governo toda semana foi tendo
algum tipo de problema. Ora no relacionamento com a base, ora no
cotidiano administrativo. O problema central é que Dilma não se
conseguiu firmar como liderança com vida própria. É vista pelos
líderes da base como alguém que deve ser suportada até o retorno de
Lula. A questão - para eles - é aguentar a destemperança presidencial.
Claro que o preço compensa. Porém a rispidez e os gritos da presidente
revelam que ela própria sabe que não é levada a sério. Vez por outra,
o passado deve rondar os pensamentos da presidente. Ela, em alguns
momentos, exige uma obediência ao estilo do velho "centralismo
democrático" leninista. Sonha com Trotsky, Bukharin e Kamenev, mas
convive com Collor, Sarney e Renan.
Nas crises que enfrentou, não conseguiu encontrar solução razoável. Ao
contrário, desarrumou a articulação existente e foi incapaz de
substituí-la por algo mais eficiente. Deixou rastros de insatisfação e
desejos de vingança. A trapalhada com o PR e a demora em resolver de
vez as denúncias são mais evidências da falta de capacidade política.
Criou na Esplanada dos Ministérios a versão petista do "onde está
Wally?". Agora o jogo é adivinhar, entre mais de três dúzias de
ministros, quem será o próximo a cair em desgraça. Algo meio
stalinista (é o passado novamente?). Com tanto estardalhaço, Dilma nem
acabou com a corrupção nem conseguiu fazer a máquina governamental
funcionar. E quem perde é o País.
A cada fracasso de Dilma, mais cresce o clamor da base (e do PT,
principalmente) para o retorno de Lula. Difícil acreditar que o
criador não imaginasse como seria o governo da sua criatura. Pode ter
sido uma jogada de mestre. Respeitou a Constituição (não patrocinando
o terceiro mandato), impôs uma candidatura-poste, venceu com o seu
prestígio a eleição e será chamado cada vez mais para apagar
incêndios. Ou seja, a possibilidade de ser passado para trás é nula.
Dessa forma, transformou-se no personagem fundamental para manter a
estabilidade da aliança do grande capital nacional e estrangeiro,
fundos de pensão das estatais, políticos corruptos e oportunistas de
toda ordem. É também o único que consegue fazer a articulação com o
andar de baixo, dando legitimidade ao projeto antinacional. Sem ele,
tudo desmorona.
Dilma vai administrando (e mal) o cotidiano. A fantasia de excelente
gestora, envergada no governo Lula e na campanha presidencial,
revelou-se um figurino de péssima qualidade. Como nos velhos sambas, a
quarta-feira já chegou. Um pouco cedo, é verdade. O carnaval mal
começou. E dos quatro dias de folia, nem acabou o primeiro.
HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR)

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